terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sem Nem Saber

Sem nem saber, esperei. E o tempo tratou de me despojar dos adereços que eu recebera como dons e dádivas. O trato do tempo a decepcionar a fachada desta casa, perdas que eu relutantemente não queria, mas que aborto em concordância quando me olho no espelho e quando me fragilizo aos sinais impostos de uma vida cumprindo extenso contrato. Esperei em consternação o desfazimento do frescor da juventude, conhecendo a implacabilidade dos alicerces se desconstruindo, mas tratando de apreender essências, já que passamos a crescer por dentro e a ficar mais jovens de alma. Chego a colocar no forno um daqueles bolos amarelinhos para tomar com café, sob os odores quentes das minhas saudades de mãe um dia.
Hoje, venho te ofertar, amigo, minhas estórias acumuladas envolvidas em papel bonito, festa de desprendimentos e sínteses. Os meus olhos mais calmos e mais fundos; minha fala inteira e mais certeira; eu exposta sem medos de perdas, coração em transbordamento, reiterados direitos e vontades. Grande parte da jornada eu já fiz, ainda que tantas vezes por estradas tortas, estações tardias ou verdes que nem vi passar, eu passante ou expectante. Mas aqui estou, ainda que em tensas cordas de rabecas e violas a compor parcerias com trovões e vendavais nesse país cheio de chão.
Vim te ver, amigo, te auscultar o coração e mostrar o meu. Tentando ficar leve nos contos que carrego nos ombros, segurar meu caminhar sem me arquear ou curvar, mostrar no porte a realeza possível. Meu Brasil das manhas e trejeitos a me apontar impotência e engodos e eu ainda a procurar estradas, a repetir palavras e intentos, alimentos abstratos em papel bonito.
E te olho, estrangeiro amigo, a navegar esse rio grosso de perdões e esquecimentos, tão largo e intenso, águas densas apinhadas de embarcações e seus timoneiros, cada um absolutamente só. Os olhos de não saber se encontram e se perdem, embalados nos movimentos das ondas de bocas grandes. E navegamos ambos procurando em ânsia a terra de Shangri-lá, onde o tempo não nos despojaria dos dons e dádivas recebidos em berço.
Esperei e mais ainda aguardo até que os frutos da minha, da tua, nossas jornadas brilhem em madurez e suculência. O tempo em parceria a nos chamar baixinho e a gente a assistir ao giro do mundo. Calmos despojos e sínteses que já estavam escritos, amigo buscador das mesmas estradas, tanto tempo gasto para tão pouco entendimento. Mas a essência como lume, arde confirmando presença, a gente lendo bússola, desbravando e remando, cortando águas ou matas. Sonhamos corações escancarados sem o menor constrangimento e bem mais leves, olhos que se encontram e se perdem nas vagas várias.
Olha eu aqui! Tô passando, tô passante, tô mutante.

Inesneves, todos os direitos reservados.

domingo, 19 de dezembro de 2010

NOVAMENTE NATAL

No início a nossa fé é incomensurável. Sem rendições ou deserções sustentamos nossos projetos e crenças, olhos voltados para o futuro promissor e generoso.
E acreditamos. Colocamos sobre a mesa todas as nossas fichas, sem blefes. De nossos muito verdes anos sorvemos os deslumbramentos das apostas de fé que nos dão impulso e força. E nos sentimos prontos e preparados para a batalha e aprendizado que nos esperam.
No caminhar pelas estradas e encruzilhadas, projéteis e lanças nos são arremessados e nós, vulneráveis filhos da vida surpreendidos em nossa confiança já anunciando abalos, incorporamos nossos estados de fragilidade e tantas vezes de impotência. Machucados e doídos, ainda não nos deixamos abater, sabedores que somos de que o viver não prescinde de aprendizado duro. E sangramos.
Pode a história se dilacerar diante de nossos olhos mas nossos corações ainda ousam acreditar. Nos valemos dos nossos sonhos ou moinhos de vento, não importa, buscando nos sinais mais enigmáticos, os nossos passes para a felicidade.
Acendemos velas para as noites de Natal e também vestimos branco para receber em festa a cada ano novo que se alterna nos seus surpreendentes caminhos. Falamos no amor e na compaixão, trocamos abraços e presentes, fitas coloridas, brilhos e estrelas, os vermelhos verdes e brancos a compor cenários de sustentação de nossos sonhos renitentes. Com a mesma crença, ainda ansiamos. Não queremos antecipar as perdas que certamente virão, para que tenhamos espaço de viver o presente dessa vida matreira e este é o lema. Tempos acelerados que nem vemos passar. Deslumbramentos, apesar de tudo.
Está amanhecendo mais um Natal e nós celebramos o desfecho de meses vividos com a mesma força que nos impele ao desafio do viver dia após dia. Lá vem um outro ano em seu tácito compasso, mais um cometa em que nos dependuramos felizes e crédulos botando fé na sua jornada rápida e sedutora.
Depois é o pouso. Em irmandade e gentileza, descansar as armas. Fechar as gavetas das desilusões, arrumar os cantos do coração, limpar casas e quintais, incinerar mágoas e presunções. Literalmente queimar. Transmutar em cinzas o que não mais nos cabe e o que doeu. Renovar orações, acalmar cicatrizes, entender um pouco mais das reais idades
Nossa antiga fé inabalável, agora em vigília, sonda. Mas ainda acreditamos que a cada ano que acolhemos, podemos ser mais felizes e mais sábios, pretensos filhos da luz e do amor.
Aos que regam de estrelas e cores as sementes da paixão e fé, as nossas mãos em parceria; a cumplicidade disponibilizada, selada em timbre indelével e ainda sem deserções e rendições.
Nas casas do saber, entoamos hinos quase em sopro, tomamos do vinho da fraternidade, comemos do pão da vida e agradecemos. Por tudo que nos tem acontecido e por tantas lições incorporadas. Pelos caminhos percorridos e pelas estórias ainda por se cumprir.
O planeta em procissão a comungar dos desejos de paz, celebrando e ainda acreditando, filhos nômades de Gaia que somos. Ao final dessa imensa orbe de mendigos da luz, tochas acesas em busca de compreensão e tino, me incorporo e repito: Aleluia

Feliz Natal e um bom ano de 2011 aos irmãos de jornadas e buscas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Chegando o Dia do Silêncio



Chegando o dia do silêncio. O dia em que nada mais deverá ser dito.. O total des/ânimo quanto à pertinência da palavra quotidiana, o único e último motivo se resumindo em existir e assistir de bem longe as estórias se enrugando, perdendo o viço e a cor, atentos apenas os olhos e ouvidos, enquanto o mundo desmorona sob o imediatismo do homo sapiens.

Exauridas e já impotentes palavras se aconchegando para a hibernação necessária. E me parece que esse inverno vai ser longo.
Os dias de silêncio, talvez o ano de resguardar pensamentos, fatalmente o tempo de se voltar para dentro. Estações de esperas para entender porquês. Eu, você, o universo de sons que vem também da alma com pontas e lâminas ou as angústias existenciais que não quero mais. Me restrinjo ao não falar, na busca de cura, de remendos ou suturas de pós-guerras, cansada de tantas lutas e letras.
Em frente à mesa de trabalho, uma fiel cadeira e um casaco deixado sobre seu dorso desgastado de tanto encosto. Silencioso ou conformado, o respaldar acolhe esse pano modelado calado colado, mensagem dúbia de velhos Barnabés que nem sabem se voltam. Lá fora buscando nuvens muito além de vidros e janelas, pássaros perfilados se projetam em revoada muda e parece que desligaram o rádio da vida. Foram baixando o volume tagarela dos dias, até que tudo quisesse adormecer para cumprir anunciadas sentenças de cem anos em letargia.
Chegando o dia do silêncio. Embaçadas visões de um tempo engolido, condenação de bruxa velha, picada funda de agulha nos dedos frágeis das nossas juventudes. E depois de tanto querer dizer, nada mais a significar, lanterna a clarear um passado que sobrevive sob estados de esquecimento, você do outro lado desse mar a poetar em gestos o que os ouvidos não alcançam, ondas e ressacas abafando tudo.
Tempo de silêncio em que me protejo dos sons de mim mesma na busca da paz negociada com os vazios deixados de declínios e morte.

InesNeves, todos os direitos reservados.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ARMADILHAS

As armadilhas em camuflados potes de ouro vão prendendo nossos pés pelos caminhos. E só notamos que as estradas eram marcadas quando os pés doídos não conseguem mais se soltar do chão, o peso arrastado de nossas esperanças e projetos.
É aí que nos perguntamos: porque aconteceu comigo? Logo eu?
Abrindo as gavetas de memórias certamente encontraremos pontas de barbante soltas em labirintos criados que não soubemos deslindar. Minotauros em capiciosas madornas esperam as Iphigênias em suas virgens inocências, enquanto a história vai se articulando e fechando capítulos. Arapucas e labirintos. Nós, crentes e potentes a desafiar a lógica da existência que desfila diante de nossos pobres ricos olhos.
Só que a vida nos encantoa em becos muito estreitos e sem escape. Vai se nutrindo de nossos apegos e vaidades esperando que um dia possamos desvendar um pouco dos seus sinais e acordar para novas estradas. Pacientemente aguardamos dias de despertar lavados, quando letargias e desapontos escorrerão pelas valas dos rescaldos e sucatas, descartados os sonhos doentes que havíamos acumulado. Mas nós queremos mais. Permanecemos meninos do mundo catando vidrilhos coloridas nos entremeios de pedras para formar castelos, roubando nos quintais das nossas ruas mais íntimas os frutos dos pecados e das redenções como crianças atrevidas, pois sonhamos.
Mas muito pouco deve realmente acontecer.
Renasceremos a cada domingo com as mesmas esperanças germinando sobre pântanos, o peito acelerado hospedeiro de cansaços e adrenalina. O chão antecipando terremotos e violências, a vida escapando pelas brechas das impotências.
E a fé na existência escoando pelos velhos canais dos esgotos subterrâneos, constantes, escuros e crescentes, enquanto nossas mãos deslizam sobre o teclado de uma máquina interessante.
Eu, os outros, a real solidão, nossas escolhas atropelando alegrias com pouco uso. E quem mais a gravitar respeitosamente sobre os nossos pomares de frutos e flores? Quem jamais visitaria nossos amados recantos de águas e pedras sem lhes arrancar pedaços? A temida solidão alcovitando segredos de ser feliz, nós já marcados, meio rotos, mais ainda procurando potes e arco-íris.
Uma vida inteira saltando armadilhas, desviando de raios, esperando chuvas passar. Mas é assim que somos, crentes, humanos, obstinados. Até o fim, quando nos perguntamos: Mas como foi que tudo aquilo aconteceu?

InêsNeves, todos os direitos reservados

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os filhos

Khalil Gibran disse:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma,
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-lo como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”

Vinicius de Moraes, poetando para seu filho Pedro, diz:“Porisso é que chorei tantas lágrimas para que não precisasses chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices deverias também me perder. E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses. E quanto mais amordaçado, mais gritavas. E quanto mais cego, mais vias.”...

ACORDAR



Acordar pela manhã e escutar os sons dos filhos pela casa.
Cabelos tortos, roupas de dormir, olhos sonolentos, ombros se esbarrando no corredor.
Preparar um café, esquentar um pão, cada um no seu compasso e a casa no seu calor de ninho.
Almoços partilhados, aferição de almas, questões práticas pensadas. Sentir os compassos no coração caçador do filho e cogitar. A filha nos seus desafios e aprendizado, as buscas, achados e encontros, disposição de mãos de quem quer trocar, sonhar.
Pescando piabas no mar grande do passado e acoitando saudades dos encontros casuais, palavras surgidas certas em horas incertas, um abraço, uma risada, um desacordo e o amor trocado sem a gente nem notar. A vida correndo no convívio quotidiano e sem hora marcada.
Só que as páginas já lidas e definitivas nos contam de paralelas leis que regem traçados à nossa revelia, acertos ou desacertos que definimos nas demandas ou escolhas. Não cultivar as angústias dos descaminhos passados, pois a vida só troca e negocia aquelas mercadorias acondicionadas no nosso alforje. Suprimentos de viagem, sim. Mas a gente não tem como guardar tudo ou reservar somente o que brilha. Ficam relegados ao descarte, muitos anseios, vivências de estórias e de alegrias que não podemos transportar. Ficam hiatos jamais compensados com supostos cheiros mornos de aconchegos, de colos vazios da entrega dos filhos, dos sonhados mergulhos nos seus corações e daquelas conversas acontecidas em dias de nada. Intimidade e presença arranjadas nas prateleiras do talvez, pretéritos reverberando sem uso.
A gente vai crescendo na intensidade imposta pela ilusória modernidade, vai aprendendo a resgatar o que realmente vingou e quer ver crescer planta e flor. Abraça esses filhos queridos pra fechar buracos dos nãossabê ou os vazios dos nãopodê. E sabe que as coisas da alma são insondáveis, mas falam as falas do bem a mar...
Usufruir desses tempos de amor latente para termos sempre o lenitivo ou o antídoto contra arrependimentos e desamores. Lembranças das dádivas e graças nutridas em nossas almas, pra só viver das falas do coração, tempos de amor gratuito de filhos e de lar. Saudades de preciosas graças intocadas, diamantes em semi-brilho escondendo inestimável valor.
Nas mãos hospedo em incontáveis voltas e toques, algumas pedras roladas colhidas nas margens de rios limpos e elas são quentes e boas, parassempre como diamantes.

Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

corpomente

CORPOMENTECORPOMENTECORPOMENTE


Entrada proibida. Área de preservação, permanência restrita. Coração, órgãos vitais ou imprescindíveis figurantes deste íntimo anfiteatro, tablado, coxia, palco e platéia, proibido trespasse ou quaisquer tipos de intromissão.
Aqui se tramam dramas e comédias, se ensaiam performances ab/surdas, celeiro de grandes peças que se desenrolarão por décadas e enquanto se viver, talvez ousando permanecer para a poster idade.
Muitos serão os ensaios, poucas apresentações. Haverá um esforço insano para que tudo pareça bem. Beleza, força, retidão. Nos quartos, bastidores e camarins, muitas fantasias e máscaras a compor os baús de adereços e complementos, ganchos e cabides em profusão. E como se trabalhará para as apresentações das imagens! Entre almofadas e facas coexistem espelhos e quimeras.
A cada abertura de portas e cortinas, assistiremos nosoutros, aos atos e entreatos de magia e sedução. Luz e drama, poesia e arte. Muito riremos e choraremos enquanto atores/espectadores e arquivaremos lembranças indeléveis de tão especiais momentos...com ciência. Tempos e marcas.
A entrada fora de temporada é proibida, pois não poderemos jamais ser invadidos. Jamais se saberá dos particulares universos aninhados por detrás das máscaras e cores. E dos doídos esforços para bem se encenar, sempre esse sopro apaixonado alucinado para dirigir e cuidar. Das subreptícias manobras para se garantir um solo ou para a eternização de um gesto, nada escrito nas manchetes; elas não falam das batalhas e dos choros borrando a maquillage. Das tessituras ou tramas ninguém saberá, pois os paços e abóbadas dos mistérios de cada um cobrem estórias e histórias de universos únicos. O meu, o teu, nostodos na germinação e medração de raízes que vem da terra escura, húmus, silêncios e ardis na busca de luz e sol, almas escapando pelos buracos de nossos medos e purpurinas. Entrada expressamente proibida.
Mistério e charadas, alma minha. Sagradas catedrais se abobadando sobre incógnitas, vidas nossas. Os peitos antevendo explosões e as vozes grandiloqüentes dos destinos retumbando em ecos ecos ecos.


As cortinas vão se abrir para mais uma representação de anseios e buscas, atores abrindo os corações com faca fina, orquestra ajustando instrumentos e o farfalhar de panos e pés buscando acomodação. Eu aprisiono meus olhos na garganta enquanto espero e sondo e anseio... atora ou espectante?
.txto de InesNeves, todos os direitos reservados

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Deus Irene

93 anos hoje, e olha que é muito tempo.

Irene Melloneves, a sua partida foi fulminante e a contragosto, sabemos todos. De nada adiantou o seu apego à vida, como se pudesses comandar o tempo dado. Ficaram tuas árvores e dias amanhecentes, ficou tua obra ainda por terminar publicações, ficamos nós no pouco entendimento dos traçados divinos, mas seguindo caminhos próprios.
Te beijo o coração que ficou plantado nos teus sítios viajados, tua imensa vontade de vida e quero no fundo de minha alma que estejas muito além de tudo isso que deixastes para trás, Irene fé, Irene alegria de raiz, Irene mãe.


A GRANDEZA DO ENXERGAR

Vida – a doação de ver,
a grandeza do enxergar.
Deus nos deu um coração
se exercendo pra o saber,
pedindo eterna a canção
do nosso reflorir;
em nova dimensão –
que tenha eterno o pão
na palavra e na visão,
nós cantando ave-marias
num rosário de alegrias,
os deleites conhecer;
a poesia no saber
a libertação na dor
de estarmos sós;
nos livre do temor
de ter luas apagadas,
nossas naves consumidas
quando a mestria dos anjos,
do feio pó, nos faz flor.
Vida – a doação de ver,
a grandeza do enxergar
todas as naves do céu –
mesmo cego o olho meu.
Poema de Irene Melloneves, todos os direitos reservados.


QUANDO EU ME FOR

Quando eu me for,
vocês morrerão de saudade,
ó árvores de minha casa
que reverencio e abraço.
Quando eu me for,
ó sementeira de meus gestos,
tenra grama de meus passos
e corolas dos meus risos,
circundando as jovens galhas;
os pássaros aconchegados
na acolhida das folhas,
que vocês farão por mim?
Que seria eu sem seus vínculos
de brisas e de seus cantos?
E a palavra ciciante
ao meu ouvido e nos ombros,
que traz os contatos seus?
Quando eu me for
poderão perguntar a Deus
por que o laceramento
da nossa afeição, no corte
de uma morte?
Porque então Deus não deixou –
mesmo cega ou sem andar,
ó árvores de minha casa,
eu, com vocês, aqui, ficar?
Poema de Irene Melloneves, todos os direitos reservados.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

OS BANQUETES








Para os banquetes da vida é imprescindível que se conheça a alquimia na elaboração das iguarias que nos são expostas. Uma investigação extenuante do nosso próprio ser, onde a inteligência se associa aos ingredientes que chamamos de pecados capitais, talhadas as nossas fraquezas com a lâmina afiada das construções e desconstruções.

E é tudo tão sutil e profundo e provocador, que passamos uma existência inteira de mapas nas mãos em busca das portas para o repositório dos tesouros do auto-conhecimento incorporado nas descobertas dos caminhos que nos trarão felicidade. E é preciso aprender a usar o orgulho, a vaidade, preconceitos, medos, competições, solidões imensas e outras tantas fragilidades que teremos que esgotar até que se alterem os sentidos e valores. Esvaziar e exaurir para recomeçar. A vida em seu paradoxal deslumbramento.
Vamos nos deixar humilhar, vamos ficar sozinhos e nos munir de paciência, vamos ser relegados aos lugares mais pequenos, mas também poderemos sondar e refletir. E aos poucos ficaremos libertos das grandes pequenas imposições e dos conformismos estabelecidos.
Num dado momento estaremos competentes para a requintada elaboração de caminhos próprios que nos parecerão insólitos, mas virão carregados de encantamento, pois há uma mesa posta esperando para o banquete ofertado de graça, para cada um.
Libertação.
                                                                                    Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.





sábado, 7 de agosto de 2010

IRENE MELLONEVES

Minha querida mãe, se aproxima o dia 12 de seu nascimento, o que seriam seus 93 anos e vou postando nesse blog uma ínfima marca de tua presença entre nós. Um poema teu, entre tantas vivências na tua apaixonada forma de entender o amor.


COMO UM CAMAFEU

Acordei como que deslumbrada
por uma causa que não sei que é.
Como se emergindo das ondas túrgidas
de um oceano
eu atirasse a cobertura das coisas
e surgisse simples,
para penetrar o dia cantante
e o tronco úmido das árvores.
Hoje eu queria ser simples,
muito simples,
usar sandálias abertas e túnicas frescas.
Beber água no átrio de um templo,
refrigerar minha cabeça
na seiva mais profunda,
incrustá-la até o cerne
como um camafeu
talvez no peito teu.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SIMPLES ASSIM


As brumas e neblinas dessa paisagem hoje se esgueiraram e adentraram minha casa. Invadiram portões e pontes da minha íntima idade; nos recônditos nichos onde medram solidões e espantos, cobriram o húmus e plantas calmas de insuspeitadas sementes. Eu nada disse. Me limitei a olhar, postada em presságios, a garoa cobrindo tudo. Arcabouços de umbigos e aconchegos, silêncios de mortes ou surgimentos.
A natureza se move sutil e sempre. Eu também envelheço, primeiro de alma; as marcas em meu rosto são charadas que desentendo. Passa tudo tão depressa e falta pouco para nada. Vida; tantas vezes estrangulada, ensaiando pedir socorro, tudo por um fio. A existência caminha extenuada a compor fantasias de um porvir sem chão e mesmo assim, anseia.
exto de InesNeves. Todos os direitos reservados.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Lunabranca




LUNABRANCA

Branco voraz de lua invadindo a rua, os copos vadios, rastros de falas, vidro laser de corte limpo, metade certinha da cabeça aos pés.
Beberágua não achei, o que é o que é? Com os óio arregalado parecendo algum ladrão.
Bicho brabuivando na prateleira da estante. É bibelô de preta velha que veio da África, moldado de banzo, bordado de bronze.
Cadê água que tavaqui? Marbebeu. Pororoca passou molhando o peito de açúcar ou de sal, não sei. Só sei que invadiu meu cerrado de solcaliente e assustou de morte o já conformado seco das planícies.
Ó mãe! Quantas vezes a gente morre? Morre de paixão, morre de nãossabê, morre de alegre, só não morre de dor ou de velho; depois morre de rir.
E quantas vezes a gente vive? Viver é só uma vez e sempre, que é de ilusão.
Hoje a minha fome nem pediu licença pra chorar. Saiu portafora e foi esvaziando o coração pelos olhos. Eu fiquei de janelaberta entornando a alma na calçada, calçada virando mar, mar virando ondas, espuma e sal rolando ladeirabaixo.
Ó mãe! Olha o branco da lua! É... tá fazendo sombra no chão; tá clara demais; tá olhando pra mim.
Assombração.
Aqui tem morcego, tem cheiro de mato ardendo, tem leveza de bambu. Quando a noite vai ficando madura, o silêncio abre uma boca enorme e exibe um céu de estrelas debutando nos olhos da gente.
Mas esse filme já passou. E ficou colado na memória, pregado na pele, afundado nas narinas; e eu parada, “com os óio arregalado parecendo algum ladrão”.

Texto de InesNeves, Todos os Direitos Reservados

segunda-feira, 26 de julho de 2010


IRENE DE MELLONEVES,
Quem foi você

Que passou pela minha longa curta vida, cheia de dores e dotes trajando panos coloridos, transparências e brilhos em pele de marfim, paixões avessas em forma humana?
Mulher esquerda, tropeços de rainha em cascalho solto ou predestinado bicho do mato, aprendiz de mundo torto a invadir seus estados alados, quem foi você?
Nascida de uma barriga em mundo grave, grave/idade de planeta velho das dores mais comuns ou contundências de facas e flores, verde aprendiz de jogos mortais e eu não conheci você..
Seu tempo de existir compõe hoje progressiva lista de obituário, nomes ou números em silenciosa procissão de retirantes que o tempo engole e obscurece, e eu penso.
Irene chegou compondo a trupe desse palco magirreal, brigou, amou, se machucou e esfolou a alma. Marcou passagem desfilando em estrada antiga o seu circo deslumbrante de gente pobre e de tanto carregar caixões azuis em cortejo de crianças, acabou ficando alegre/triste.
Me deixou assim meio sem centro malentendendo sua ida e em verdade eu não sei quem foi você.
Tocam jazz. Aquela quaresmeira novamente pronta para floração, celebra e marca mais um janeiro de tantos que virão de seu adeus. Eu aqui, coração branco olhando infinitudes, árvores, capim e pássaros. Você um dia se deslumbrou com as cores e flores desse tropical recanto a exalar luz boa, mas definitivamente não mais podemos compartilhar dos bálsamos dessa vida.
Quem foi você que nos descortinou as deslumbrantes e inusitadas paisagens dessa vida como quem oferece simplesmente água? Caminhou conosco sobre os desacertos do inusitado e compôs poemas sem perder o rastro da fonte mais pura, sem perder o coração. Guardo em zêlo esse baú precioso de espólio bento e o aperto contra o peito, mas parece que vai nevar.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

IRENE jovem©

12 de agosto de 1917-12 de Janeiro de 2007.
Irene estaria completeando seus 93 anos de idade no próximo dia 12. Aos 17 publicou o primeiro livro e nunca mais parou. Trabalhou nos seus escritos até os últimos dias de sua existência e deixou obra extensa, grande parte ainda a ser publicada.


Abri mala pequena, frasqueira com divisórias e cantos. Me apareceu um pente grande com um pouco de poeira, fios de teus cabelos em hibernação, testemunhas vivas de tua ausência., de tua morte. Cabelos não se desfazem no mesmo compasso do corpo. 
Revivi teu gesto ao se pentear, cabelos brancos cacheados, esmero e determinação. Me pareceu voltar no tempo ou o tempo voltou em mim e te trouxe bem perto, mistérios presentes a me entontecer, Irene mãe. Você querida, em constante vigília nos meus dias vagamundeantes de torpor do nada saber, certamente a gravitar sobre os canteiros sonhados que não vingaram. Acordo a mente e te seqüestro em passado/presente, mãos, pés, gestos, nariz afiladinho de vestal caída em campo de contundências. Braba vida de incautos arremessos para o quase nada e tu ainda acreditavas.
Quero, mãe Irene, guardar de ti a força do querer. Herdar de ti a crença, o terço, o arquivo de sonhos que eram teus olhos. E depois, um dia entender nossos caminhos de pedras e ardores; nossas mãos marcadas dos cajados que foram se esfolando pelas estradas e encruzilhadas de armadilhas, nossa cumplicidade de umbigo justificando tudo.
Dia abafado de sol quente em estação de inverno pelo avesso. O tempo, dono de tudo, antevendo o arquear das minhas costas maduras e ainda nada sei. Apenas assisto ao compasso dos mendigos da luz que desfilam buscas e incompreensões, eu também catando Lilases e Edelweiss em pedra bruta, esperando brotar água limpa nos grotões das minhas saudades e devaneios. Herança tua, rastros teus, Irene.

Registros de filha tua em dia 8 Internacional da Mulher
Texto de InesNeves, todos os direitos reservados. 

sábado, 17 de julho de 2010

DE TRAMAS E ENTENDIMENTO©

Agradecer pelo dia de hoje,
de ontem e o de amanhã. Por tudo o que aprendi pelo prazer ou pela dor. Pelos meus olhos que não viram espólios de guerras, mas a paz das poderosas noites abobadadas sobre minha cabeça, as nuances e luzes deste planeta de quase azul. Agradecer pelas minhas mãos que mal tocaram feridas. E que, corpo ainda quente de minha mãe, puderam pousar sobre sua fronde e sentir o calor se esvaindo enquanto se deixava vazar a alma. Por poder acolher, por tocar e ser tocada.
Pelo sentir acordes ou retumbos, chuvas e raios, sinfonias generosas da terra e o reverberar das vozes amadas ou não.
Agradecer pelos arrepios e pele, pés que dançam, correm e aportam. Pelos odores infindos invadindo as narinas e cérebro, resgatando lembranças ou formando o agora. Cheiro de neve, cheiros de tempos marcados, saudades impressas em folhas e panos, letras e formas. Por tanta história bonita, pelos mimos também da vida, tanto coração extravasado em abraços plenos.
Pelo aprendizado incorporado quando tudo parecia só dor, pela gargalhada resgatada sob os véus da desilusão, a risada grande diante de meu próprio ridículo e essa divina mão quotidiana estendida e pronta que nunca me negou resgate.
Agradecer e esperar dos tempos os seus traçados, abrir o coração para as bênçãos por vir e deixar latente o espaço para mais sabedoria, sempre. Receber da vida o despertar de cada dia que vem pleno e vem de graça, pela graça. Resguardar no peito aquela criança original e, nos desfechos das estórias processadas nem o mais leve rancor ou mágoa deverão permanecer; pés lavados e alma limpa.
O que parece claro, pode ser Maia presença. O que doer, deve ser aprendizado. O que surpreender, na verdade estava escrito e o que não vier, certamente já passou.
Sou grata.


Texto de InesNeves, Todos os Direitos Reservados.

sábado, 10 de julho de 2010

Mutação©

Estou mudando. Mudando de idade, de fé, de era e de coração. Estou sentindo todas as dores do crescimento, ossos, nervos, músculos se tensionando e se estranhando na busca de encontros e inteirezas, enquanto o tempo me pede vigilância e prudência nesse estado de passagem.
Como se o meu maduro corpo novo demandasse renúncias de pele e apelos, acordo pelas madrugadas compondo versos de não ser e me lanço em contendas que me mutilam os sonhos, as crenças, tudo girando nos vórtices duros e sem paixões de alguma sina que malentendo. E dói. Entontece. Taquicardias se sobrepõem à minha moribunda alegria de viver e meu coração sai chutando restos e tocos de lembranças do que poderia ter sido. E quanto mais eu teimo em ser e entender, mais cortes de faca fina me marcam o destino. Me esquivo de algum golpe na cara do meu dia, me aprumo, reflito e me contenho porque quero sobreviver ao caos já estabelecido.
Mas como a mudança pode nos lacerar! Desapegos, paciência, humildade, entregas, tudo cruamente pessoal. Não vejo mão amiga amorosa em disponibilidade, já que todas as mãos do mundo se ocupam nos seus particulares remos de naus em desgoverno, planeta, país, cidade e corações se arvorando em tempos do não tempo.
Mas sei que estou mudando, como as baratas e formigas em mutação nas idades e eras, intuitivamente criando couraças e espertezas.


Texto de InesNeves. Todos os direitos reservados.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

FILHOS DE ONTEM©

Filhos de Ontem


Galopando em corsários tontos te procuramos, filho meu, noites e dias sem sabermos se te sondávamos ou se te velávamos. Em insanas buscas e apelos atentamos indecifráveis ecos em vales alienados ou em cais esquerdos a te espreitar.
Apear, abandonando a fé? Nos aquietarmos, impossível. Acreditando sempre, ousando buscas até à mais tênue linha entre as coisas perceptíveis e os intangíveis mistérios de outras paragens. Mães da Praça de Maio e suas fraldas nas cabeças, Zuzus Zumbis de asas mutiladas se debatendo frente a portas lacradas, tantos pais de outras fatalidades buscando rastros de seus filhos perdidos, em marcha dolorosa e impotente.
Quem sabe um dia, entre silêncios e amargores, quando a tortura instalada nos cantos do existir já nem mais puder doer, sonhemos com um desfecho bom a nos acordar os sentidos. Talvez nossos corações sejam agraciados com o grande prêmio de um tempo acreditado e a explosão do reencontro acenda confortante lume em nossas vidas modificadas.
Mas talvez também o punhal já tão próximo de nossos peitos venha nos sangrar de vez as esperanças. Bem possível. Num dia das mesmas fadigas em que tudo parecerá tão comum, saberemos da implacável e definitiva perda e nós, pais das esperas, nos renderemos. Apearemos, entregaremos as armas e apelos para procedermos à incorporação do último ato da dor maior. Muita. E a saudade já entrincheirada em nossas existências, se agigantará extrapolando e atropelando todos os espaços desse planeta que mal nos cabe. Taquicardias descompensando cada gesto, a precariedade de nossas esperanças escancarada diante da verdade última, filho meu, descartados os arremedos de resgate de tua presença.
Corsários cegos de gastas ferraduras após tanta busca em galopes alucinados, extenuados. Nós, vencidos cavaleiros sem armas a incorporar as definitivas notas de desenlace e tu, filho, compondo as legiões de anjos seqüestrados, arrebatados, aliciados ou misteriosamente evadidos em pungente silêncio.
Cortados ao meio seguiremos sem pouso, almas sem repouso. E nunca mais o doce dos amores plenos, mas o sabor travoso de tua perda, esse sim, perdurará. Uma dor em nós que avançará pelos tempos de nossas existências em trilhas do nada entender.
Passarão as guerras e os amores mas o vazio não passará. Ficará esse banzo amalgamado nas cruzes das ausências, cicatrizes reticentes marcando indeléveis memórias em eterna vigília. E nossas almas meio penadas, meio sem pátria, vagarão na busca, filho meu, de um Deus que nos acolha e console. Uma mão benfazeja espalmada sobre nossas testas febris para arrefecer o ardor de nossas pupilas e transmutar essa água já salobra aprisionada e estagnada em nossos olhos.


Aos pais de filhos evadidos.
                                                     Texto de Inesneves - todos os direitos reservados.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

TEMPOS©

TEMPO DE
Viver insônias e costurar remendos, agulha/linha/soro e sal e ungir atenta o sangue e o só.
Desvelar silenciosos ninhos de pássaros em vigília, torpor de vôos nem ensaiados, morno sopro surpreendido em ventanias.
Pupilas de areia ardendo em presságios e na sala, embrutecido som a arrombar a porta. Que sonho esse? Que lua essa? Fragor de águas densas lavando tudo, deslocando tudo. Batismo ou morte?
Tempo de aprender, de arrumar o amor e de entender Cecília. Perceber na própria sombra a continência ou o gesto. Juntar pedaços, remontar mosaicos, superar.
De esvaziar de nossos dias essa ansiada premência e as justificativas das angústias que nos asfixiam devagarzinho, na maior compaixão.
Tempo de fecundação ou gestação? Em tremores sob os meus pés, a terra cede. Tempo também de perder.
                                                                                                                                    Texto de InêsNeves





domingo, 27 de junho de 2010

Abrindo portas©

Abro uma porta com os cuidados de quem penetra o espaço íntimo e particular do outro que por acaso me sondar. Cumplicidade e dis/sintonias dessa  trama quase inimaginável, universo heterogêneo em que nos aventuramos em busca de reverberações. Que seja uma boa viagem, já que estamos na mesma nave, você e eu em pontos diversos mas iguais, cogitações da vida nos seus deslumbramentos mesmo que nas falas duras do aprendizado, afortunadamente navegando nos pontos cegos desse mar grande com humor e arte, sempre no  viver poético. 
Haveremos de nos sintonizar em breve.