sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ACORDAR



Acordar pela manhã e escutar os sons dos filhos pela casa.
Cabelos tortos, roupas de dormir, olhos sonolentos, ombros se esbarrando no corredor.
Preparar um café, esquentar um pão, cada um no seu compasso e a casa no seu calor de ninho.
Almoços partilhados, aferição de almas, questões práticas pensadas. Sentir os compassos no coração caçador do filho e cogitar. A filha nos seus desafios e aprendizado, as buscas, achados e encontros, disposição de mãos de quem quer trocar, sonhar.
Pescando piabas no mar grande do passado e acoitando saudades dos encontros casuais, palavras surgidas certas em horas incertas, um abraço, uma risada, um desacordo e o amor trocado sem a gente nem notar. A vida correndo no convívio quotidiano e sem hora marcada.
Só que as páginas já lidas e definitivas nos contam de paralelas leis que regem traçados à nossa revelia, acertos ou desacertos que definimos nas demandas ou escolhas. Não cultivar as angústias dos descaminhos passados, pois a vida só troca e negocia aquelas mercadorias acondicionadas no nosso alforje. Suprimentos de viagem, sim. Mas a gente não tem como guardar tudo ou reservar somente o que brilha. Ficam relegados ao descarte, muitos anseios, vivências de estórias e de alegrias que não podemos transportar. Ficam hiatos jamais compensados com supostos cheiros mornos de aconchegos, de colos vazios da entrega dos filhos, dos sonhados mergulhos nos seus corações e daquelas conversas acontecidas em dias de nada. Intimidade e presença arranjadas nas prateleiras do talvez, pretéritos reverberando sem uso.
A gente vai crescendo na intensidade imposta pela ilusória modernidade, vai aprendendo a resgatar o que realmente vingou e quer ver crescer planta e flor. Abraça esses filhos queridos pra fechar buracos dos nãossabê ou os vazios dos nãopodê. E sabe que as coisas da alma são insondáveis, mas falam as falas do bem a mar...
Usufruir desses tempos de amor latente para termos sempre o lenitivo ou o antídoto contra arrependimentos e desamores. Lembranças das dádivas e graças nutridas em nossas almas, pra só viver das falas do coração, tempos de amor gratuito de filhos e de lar. Saudades de preciosas graças intocadas, diamantes em semi-brilho escondendo inestimável valor.
Nas mãos hospedo em incontáveis voltas e toques, algumas pedras roladas colhidas nas margens de rios limpos e elas são quentes e boas, parassempre como diamantes.

Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário