quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ACORDAR

ACORDAR PARA UM PESADELO

Hoje, dia 13-01-011, despertamos para mais um dia de nossas construções abstratas com os noticiários pungentes das tragédias na região serrana do Rio de Janeiro. O nó na garganta, a impotência diante do caos estabelecido em tempos de inconseqüências e incongruências, ai que o mundo cai sobre nossas cabeças pequenas. E cai com pedra e lama carregando nossos des/troços e se embaralhando em queda vertiginosa nas nossas incompreensões e abrigos tão certamente sustentados, tão simplesmente soterrados.
Perco o chão, perco sonhos, quase perco a fé na humanidade que se compromete no imediatismo e ganância, posturas que ficaram lá no bem comecinho do cordão dos insensatos, o meio ambiente desprezado que se revolta e bate feio nas nossas caras caras.
Eu queria muito falar dos deslumbramentos dessa vida, eu queria muito poder rir e rir e rir, porque preciso e gosto. Eu queria muito partilhar do pão e das sementes que plantaríamos em terra boa, você e eu em sintonia com a mãe Gaia, meu amor, mas sinto muito. Tenho vivido praias de desencanto desse nosso Brasil e Mundo e nessa manhã de quinta feira não consigo a luz buscada nas alegorias de meu país. O carnaval já vem chegando nos batuques duros de meu coração que se descompassa, minha mente em corda bamba, meus olhos arregalados diante de tantos desastres e todos nós engolfados na horda dos mendigos de entendimento.
Sinais claros demais, demandas claras demais. Minha manhã reiteradamente interceptada se enroscou na barriga e eu sinto o peito se desequilibrando em picadeiro de circo grande, palco e platéia extasiados diante dos malabarismos da moderna idade, subreptícias charadas à nossa espera.
Tempos de repensar.
Tempos de guardar nossas ambições e as coisas pequenas, faxinar corações e pórticos das nossas moradas. E parar um pouco para ouvir as águas, os insetos, os ventos, os movimentos de almas. E quem sabe em alguma esquina das buscas e constatações possamos nos identificar para tomar as mesmas trilhas do amor e do perdão, da claraluz e dos desapegos. E nos salvar da lama e pedras que descem indiferentes aos apelos que forram os infernos das quase boas intenções...

Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sem Nem Saber

Sem nem saber, esperei. E o tempo tratou de me despojar dos adereços que eu recebera como dons e dádivas. O trato do tempo a decepcionar a fachada desta casa, perdas que eu relutantemente não queria, mas que aborto em concordância quando me olho no espelho e quando me fragilizo aos sinais impostos de uma vida cumprindo extenso contrato. Esperei em consternação o desfazimento do frescor da juventude, conhecendo a implacabilidade dos alicerces se desconstruindo, mas tratando de apreender essências, já que passamos a crescer por dentro e a ficar mais jovens de alma. Chego a colocar no forno um daqueles bolos amarelinhos para tomar com café, sob os odores quentes das minhas saudades de mãe um dia.
Hoje, venho te ofertar, amigo, minhas estórias acumuladas envolvidas em papel bonito, festa de desprendimentos e sínteses. Os meus olhos mais calmos e mais fundos; minha fala inteira e mais certeira; eu exposta sem medos de perdas, coração em transbordamento, reiterados direitos e vontades. Grande parte da jornada eu já fiz, ainda que tantas vezes por estradas tortas, estações tardias ou verdes que nem vi passar, eu passante ou expectante. Mas aqui estou, ainda que em tensas cordas de rabecas e violas a compor parcerias com trovões e vendavais nesse país cheio de chão.
Vim te ver, amigo, te auscultar o coração e mostrar o meu. Tentando ficar leve nos contos que carrego nos ombros, segurar meu caminhar sem me arquear ou curvar, mostrar no porte a realeza possível. Meu Brasil das manhas e trejeitos a me apontar impotência e engodos e eu ainda a procurar estradas, a repetir palavras e intentos, alimentos abstratos em papel bonito.
E te olho, estrangeiro amigo, a navegar esse rio grosso de perdões e esquecimentos, tão largo e intenso, águas densas apinhadas de embarcações e seus timoneiros, cada um absolutamente só. Os olhos de não saber se encontram e se perdem, embalados nos movimentos das ondas de bocas grandes. E navegamos ambos procurando em ânsia a terra de Shangri-lá, onde o tempo não nos despojaria dos dons e dádivas recebidos em berço.
Esperei e mais ainda aguardo até que os frutos da minha, da tua, nossas jornadas brilhem em madurez e suculência. O tempo em parceria a nos chamar baixinho e a gente a assistir ao giro do mundo. Calmos despojos e sínteses que já estavam escritos, amigo buscador das mesmas estradas, tanto tempo gasto para tão pouco entendimento. Mas a essência como lume, arde confirmando presença, a gente lendo bússola, desbravando e remando, cortando águas ou matas. Sonhamos corações escancarados sem o menor constrangimento e bem mais leves, olhos que se encontram e se perdem nas vagas várias.
Olha eu aqui! Tô passando, tô passante, tô mutante.

Inesneves, todos os direitos reservados.

domingo, 19 de dezembro de 2010

NOVAMENTE NATAL

No início a nossa fé é incomensurável. Sem rendições ou deserções sustentamos nossos projetos e crenças, olhos voltados para o futuro promissor e generoso.
E acreditamos. Colocamos sobre a mesa todas as nossas fichas, sem blefes. De nossos muito verdes anos sorvemos os deslumbramentos das apostas de fé que nos dão impulso e força. E nos sentimos prontos e preparados para a batalha e aprendizado que nos esperam.
No caminhar pelas estradas e encruzilhadas, projéteis e lanças nos são arremessados e nós, vulneráveis filhos da vida surpreendidos em nossa confiança já anunciando abalos, incorporamos nossos estados de fragilidade e tantas vezes de impotência. Machucados e doídos, ainda não nos deixamos abater, sabedores que somos de que o viver não prescinde de aprendizado duro. E sangramos.
Pode a história se dilacerar diante de nossos olhos mas nossos corações ainda ousam acreditar. Nos valemos dos nossos sonhos ou moinhos de vento, não importa, buscando nos sinais mais enigmáticos, os nossos passes para a felicidade.
Acendemos velas para as noites de Natal e também vestimos branco para receber em festa a cada ano novo que se alterna nos seus surpreendentes caminhos. Falamos no amor e na compaixão, trocamos abraços e presentes, fitas coloridas, brilhos e estrelas, os vermelhos verdes e brancos a compor cenários de sustentação de nossos sonhos renitentes. Com a mesma crença, ainda ansiamos. Não queremos antecipar as perdas que certamente virão, para que tenhamos espaço de viver o presente dessa vida matreira e este é o lema. Tempos acelerados que nem vemos passar. Deslumbramentos, apesar de tudo.
Está amanhecendo mais um Natal e nós celebramos o desfecho de meses vividos com a mesma força que nos impele ao desafio do viver dia após dia. Lá vem um outro ano em seu tácito compasso, mais um cometa em que nos dependuramos felizes e crédulos botando fé na sua jornada rápida e sedutora.
Depois é o pouso. Em irmandade e gentileza, descansar as armas. Fechar as gavetas das desilusões, arrumar os cantos do coração, limpar casas e quintais, incinerar mágoas e presunções. Literalmente queimar. Transmutar em cinzas o que não mais nos cabe e o que doeu. Renovar orações, acalmar cicatrizes, entender um pouco mais das reais idades
Nossa antiga fé inabalável, agora em vigília, sonda. Mas ainda acreditamos que a cada ano que acolhemos, podemos ser mais felizes e mais sábios, pretensos filhos da luz e do amor.
Aos que regam de estrelas e cores as sementes da paixão e fé, as nossas mãos em parceria; a cumplicidade disponibilizada, selada em timbre indelével e ainda sem deserções e rendições.
Nas casas do saber, entoamos hinos quase em sopro, tomamos do vinho da fraternidade, comemos do pão da vida e agradecemos. Por tudo que nos tem acontecido e por tantas lições incorporadas. Pelos caminhos percorridos e pelas estórias ainda por se cumprir.
O planeta em procissão a comungar dos desejos de paz, celebrando e ainda acreditando, filhos nômades de Gaia que somos. Ao final dessa imensa orbe de mendigos da luz, tochas acesas em busca de compreensão e tino, me incorporo e repito: Aleluia

Feliz Natal e um bom ano de 2011 aos irmãos de jornadas e buscas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Chegando o Dia do Silêncio



Chegando o dia do silêncio. O dia em que nada mais deverá ser dito.. O total des/ânimo quanto à pertinência da palavra quotidiana, o único e último motivo se resumindo em existir e assistir de bem longe as estórias se enrugando, perdendo o viço e a cor, atentos apenas os olhos e ouvidos, enquanto o mundo desmorona sob o imediatismo do homo sapiens.

Exauridas e já impotentes palavras se aconchegando para a hibernação necessária. E me parece que esse inverno vai ser longo.
Os dias de silêncio, talvez o ano de resguardar pensamentos, fatalmente o tempo de se voltar para dentro. Estações de esperas para entender porquês. Eu, você, o universo de sons que vem também da alma com pontas e lâminas ou as angústias existenciais que não quero mais. Me restrinjo ao não falar, na busca de cura, de remendos ou suturas de pós-guerras, cansada de tantas lutas e letras.
Em frente à mesa de trabalho, uma fiel cadeira e um casaco deixado sobre seu dorso desgastado de tanto encosto. Silencioso ou conformado, o respaldar acolhe esse pano modelado calado colado, mensagem dúbia de velhos Barnabés que nem sabem se voltam. Lá fora buscando nuvens muito além de vidros e janelas, pássaros perfilados se projetam em revoada muda e parece que desligaram o rádio da vida. Foram baixando o volume tagarela dos dias, até que tudo quisesse adormecer para cumprir anunciadas sentenças de cem anos em letargia.
Chegando o dia do silêncio. Embaçadas visões de um tempo engolido, condenação de bruxa velha, picada funda de agulha nos dedos frágeis das nossas juventudes. E depois de tanto querer dizer, nada mais a significar, lanterna a clarear um passado que sobrevive sob estados de esquecimento, você do outro lado desse mar a poetar em gestos o que os ouvidos não alcançam, ondas e ressacas abafando tudo.
Tempo de silêncio em que me protejo dos sons de mim mesma na busca da paz negociada com os vazios deixados de declínios e morte.

InesNeves, todos os direitos reservados.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ARMADILHAS

As armadilhas em camuflados potes de ouro vão prendendo nossos pés pelos caminhos. E só notamos que as estradas eram marcadas quando os pés doídos não conseguem mais se soltar do chão, o peso arrastado de nossas esperanças e projetos.
É aí que nos perguntamos: porque aconteceu comigo? Logo eu?
Abrindo as gavetas de memórias certamente encontraremos pontas de barbante soltas em labirintos criados que não soubemos deslindar. Minotauros em capiciosas madornas esperam as Iphigênias em suas virgens inocências, enquanto a história vai se articulando e fechando capítulos. Arapucas e labirintos. Nós, crentes e potentes a desafiar a lógica da existência que desfila diante de nossos pobres ricos olhos.
Só que a vida nos encantoa em becos muito estreitos e sem escape. Vai se nutrindo de nossos apegos e vaidades esperando que um dia possamos desvendar um pouco dos seus sinais e acordar para novas estradas. Pacientemente aguardamos dias de despertar lavados, quando letargias e desapontos escorrerão pelas valas dos rescaldos e sucatas, descartados os sonhos doentes que havíamos acumulado. Mas nós queremos mais. Permanecemos meninos do mundo catando vidrilhos coloridas nos entremeios de pedras para formar castelos, roubando nos quintais das nossas ruas mais íntimas os frutos dos pecados e das redenções como crianças atrevidas, pois sonhamos.
Mas muito pouco deve realmente acontecer.
Renasceremos a cada domingo com as mesmas esperanças germinando sobre pântanos, o peito acelerado hospedeiro de cansaços e adrenalina. O chão antecipando terremotos e violências, a vida escapando pelas brechas das impotências.
E a fé na existência escoando pelos velhos canais dos esgotos subterrâneos, constantes, escuros e crescentes, enquanto nossas mãos deslizam sobre o teclado de uma máquina interessante.
Eu, os outros, a real solidão, nossas escolhas atropelando alegrias com pouco uso. E quem mais a gravitar respeitosamente sobre os nossos pomares de frutos e flores? Quem jamais visitaria nossos amados recantos de águas e pedras sem lhes arrancar pedaços? A temida solidão alcovitando segredos de ser feliz, nós já marcados, meio rotos, mais ainda procurando potes e arco-íris.
Uma vida inteira saltando armadilhas, desviando de raios, esperando chuvas passar. Mas é assim que somos, crentes, humanos, obstinados. Até o fim, quando nos perguntamos: Mas como foi que tudo aquilo aconteceu?

InêsNeves, todos os direitos reservados

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os filhos

Khalil Gibran disse:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma,
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-lo como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”

Vinicius de Moraes, poetando para seu filho Pedro, diz:“Porisso é que chorei tantas lágrimas para que não precisasses chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices deverias também me perder. E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses. E quanto mais amordaçado, mais gritavas. E quanto mais cego, mais vias.”...

ACORDAR



Acordar pela manhã e escutar os sons dos filhos pela casa.
Cabelos tortos, roupas de dormir, olhos sonolentos, ombros se esbarrando no corredor.
Preparar um café, esquentar um pão, cada um no seu compasso e a casa no seu calor de ninho.
Almoços partilhados, aferição de almas, questões práticas pensadas. Sentir os compassos no coração caçador do filho e cogitar. A filha nos seus desafios e aprendizado, as buscas, achados e encontros, disposição de mãos de quem quer trocar, sonhar.
Pescando piabas no mar grande do passado e acoitando saudades dos encontros casuais, palavras surgidas certas em horas incertas, um abraço, uma risada, um desacordo e o amor trocado sem a gente nem notar. A vida correndo no convívio quotidiano e sem hora marcada.
Só que as páginas já lidas e definitivas nos contam de paralelas leis que regem traçados à nossa revelia, acertos ou desacertos que definimos nas demandas ou escolhas. Não cultivar as angústias dos descaminhos passados, pois a vida só troca e negocia aquelas mercadorias acondicionadas no nosso alforje. Suprimentos de viagem, sim. Mas a gente não tem como guardar tudo ou reservar somente o que brilha. Ficam relegados ao descarte, muitos anseios, vivências de estórias e de alegrias que não podemos transportar. Ficam hiatos jamais compensados com supostos cheiros mornos de aconchegos, de colos vazios da entrega dos filhos, dos sonhados mergulhos nos seus corações e daquelas conversas acontecidas em dias de nada. Intimidade e presença arranjadas nas prateleiras do talvez, pretéritos reverberando sem uso.
A gente vai crescendo na intensidade imposta pela ilusória modernidade, vai aprendendo a resgatar o que realmente vingou e quer ver crescer planta e flor. Abraça esses filhos queridos pra fechar buracos dos nãossabê ou os vazios dos nãopodê. E sabe que as coisas da alma são insondáveis, mas falam as falas do bem a mar...
Usufruir desses tempos de amor latente para termos sempre o lenitivo ou o antídoto contra arrependimentos e desamores. Lembranças das dádivas e graças nutridas em nossas almas, pra só viver das falas do coração, tempos de amor gratuito de filhos e de lar. Saudades de preciosas graças intocadas, diamantes em semi-brilho escondendo inestimável valor.
Nas mãos hospedo em incontáveis voltas e toques, algumas pedras roladas colhidas nas margens de rios limpos e elas são quentes e boas, parassempre como diamantes.

Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.