quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ARMADILHAS

As armadilhas em camuflados potes de ouro vão prendendo nossos pés pelos caminhos. E só notamos que as estradas eram marcadas quando os pés doídos não conseguem mais se soltar do chão, o peso arrastado de nossas esperanças e projetos.
É aí que nos perguntamos: porque aconteceu comigo? Logo eu?
Abrindo as gavetas de memórias certamente encontraremos pontas de barbante soltas em labirintos criados que não soubemos deslindar. Minotauros em capiciosas madornas esperam as Iphigênias em suas virgens inocências, enquanto a história vai se articulando e fechando capítulos. Arapucas e labirintos. Nós, crentes e potentes a desafiar a lógica da existência que desfila diante de nossos pobres ricos olhos.
Só que a vida nos encantoa em becos muito estreitos e sem escape. Vai se nutrindo de nossos apegos e vaidades esperando que um dia possamos desvendar um pouco dos seus sinais e acordar para novas estradas. Pacientemente aguardamos dias de despertar lavados, quando letargias e desapontos escorrerão pelas valas dos rescaldos e sucatas, descartados os sonhos doentes que havíamos acumulado. Mas nós queremos mais. Permanecemos meninos do mundo catando vidrilhos coloridas nos entremeios de pedras para formar castelos, roubando nos quintais das nossas ruas mais íntimas os frutos dos pecados e das redenções como crianças atrevidas, pois sonhamos.
Mas muito pouco deve realmente acontecer.
Renasceremos a cada domingo com as mesmas esperanças germinando sobre pântanos, o peito acelerado hospedeiro de cansaços e adrenalina. O chão antecipando terremotos e violências, a vida escapando pelas brechas das impotências.
E a fé na existência escoando pelos velhos canais dos esgotos subterrâneos, constantes, escuros e crescentes, enquanto nossas mãos deslizam sobre o teclado de uma máquina interessante.
Eu, os outros, a real solidão, nossas escolhas atropelando alegrias com pouco uso. E quem mais a gravitar respeitosamente sobre os nossos pomares de frutos e flores? Quem jamais visitaria nossos amados recantos de águas e pedras sem lhes arrancar pedaços? A temida solidão alcovitando segredos de ser feliz, nós já marcados, meio rotos, mais ainda procurando potes e arco-íris.
Uma vida inteira saltando armadilhas, desviando de raios, esperando chuvas passar. Mas é assim que somos, crentes, humanos, obstinados. Até o fim, quando nos perguntamos: Mas como foi que tudo aquilo aconteceu?

InêsNeves, todos os direitos reservados

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Os filhos

Khalil Gibran disse:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma,
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-lo como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”

Vinicius de Moraes, poetando para seu filho Pedro, diz:“Porisso é que chorei tantas lágrimas para que não precisasses chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices deverias também me perder. E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses. E quanto mais amordaçado, mais gritavas. E quanto mais cego, mais vias.”...

ACORDAR



Acordar pela manhã e escutar os sons dos filhos pela casa.
Cabelos tortos, roupas de dormir, olhos sonolentos, ombros se esbarrando no corredor.
Preparar um café, esquentar um pão, cada um no seu compasso e a casa no seu calor de ninho.
Almoços partilhados, aferição de almas, questões práticas pensadas. Sentir os compassos no coração caçador do filho e cogitar. A filha nos seus desafios e aprendizado, as buscas, achados e encontros, disposição de mãos de quem quer trocar, sonhar.
Pescando piabas no mar grande do passado e acoitando saudades dos encontros casuais, palavras surgidas certas em horas incertas, um abraço, uma risada, um desacordo e o amor trocado sem a gente nem notar. A vida correndo no convívio quotidiano e sem hora marcada.
Só que as páginas já lidas e definitivas nos contam de paralelas leis que regem traçados à nossa revelia, acertos ou desacertos que definimos nas demandas ou escolhas. Não cultivar as angústias dos descaminhos passados, pois a vida só troca e negocia aquelas mercadorias acondicionadas no nosso alforje. Suprimentos de viagem, sim. Mas a gente não tem como guardar tudo ou reservar somente o que brilha. Ficam relegados ao descarte, muitos anseios, vivências de estórias e de alegrias que não podemos transportar. Ficam hiatos jamais compensados com supostos cheiros mornos de aconchegos, de colos vazios da entrega dos filhos, dos sonhados mergulhos nos seus corações e daquelas conversas acontecidas em dias de nada. Intimidade e presença arranjadas nas prateleiras do talvez, pretéritos reverberando sem uso.
A gente vai crescendo na intensidade imposta pela ilusória modernidade, vai aprendendo a resgatar o que realmente vingou e quer ver crescer planta e flor. Abraça esses filhos queridos pra fechar buracos dos nãossabê ou os vazios dos nãopodê. E sabe que as coisas da alma são insondáveis, mas falam as falas do bem a mar...
Usufruir desses tempos de amor latente para termos sempre o lenitivo ou o antídoto contra arrependimentos e desamores. Lembranças das dádivas e graças nutridas em nossas almas, pra só viver das falas do coração, tempos de amor gratuito de filhos e de lar. Saudades de preciosas graças intocadas, diamantes em semi-brilho escondendo inestimável valor.
Nas mãos hospedo em incontáveis voltas e toques, algumas pedras roladas colhidas nas margens de rios limpos e elas são quentes e boas, parassempre como diamantes.

Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

corpomente

CORPOMENTECORPOMENTECORPOMENTE


Entrada proibida. Área de preservação, permanência restrita. Coração, órgãos vitais ou imprescindíveis figurantes deste íntimo anfiteatro, tablado, coxia, palco e platéia, proibido trespasse ou quaisquer tipos de intromissão.
Aqui se tramam dramas e comédias, se ensaiam performances ab/surdas, celeiro de grandes peças que se desenrolarão por décadas e enquanto se viver, talvez ousando permanecer para a poster idade.
Muitos serão os ensaios, poucas apresentações. Haverá um esforço insano para que tudo pareça bem. Beleza, força, retidão. Nos quartos, bastidores e camarins, muitas fantasias e máscaras a compor os baús de adereços e complementos, ganchos e cabides em profusão. E como se trabalhará para as apresentações das imagens! Entre almofadas e facas coexistem espelhos e quimeras.
A cada abertura de portas e cortinas, assistiremos nosoutros, aos atos e entreatos de magia e sedução. Luz e drama, poesia e arte. Muito riremos e choraremos enquanto atores/espectadores e arquivaremos lembranças indeléveis de tão especiais momentos...com ciência. Tempos e marcas.
A entrada fora de temporada é proibida, pois não poderemos jamais ser invadidos. Jamais se saberá dos particulares universos aninhados por detrás das máscaras e cores. E dos doídos esforços para bem se encenar, sempre esse sopro apaixonado alucinado para dirigir e cuidar. Das subreptícias manobras para se garantir um solo ou para a eternização de um gesto, nada escrito nas manchetes; elas não falam das batalhas e dos choros borrando a maquillage. Das tessituras ou tramas ninguém saberá, pois os paços e abóbadas dos mistérios de cada um cobrem estórias e histórias de universos únicos. O meu, o teu, nostodos na germinação e medração de raízes que vem da terra escura, húmus, silêncios e ardis na busca de luz e sol, almas escapando pelos buracos de nossos medos e purpurinas. Entrada expressamente proibida.
Mistério e charadas, alma minha. Sagradas catedrais se abobadando sobre incógnitas, vidas nossas. Os peitos antevendo explosões e as vozes grandiloqüentes dos destinos retumbando em ecos ecos ecos.


As cortinas vão se abrir para mais uma representação de anseios e buscas, atores abrindo os corações com faca fina, orquestra ajustando instrumentos e o farfalhar de panos e pés buscando acomodação. Eu aprisiono meus olhos na garganta enquanto espero e sondo e anseio... atora ou espectante?
.txto de InesNeves, todos os direitos reservados

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Deus Irene

93 anos hoje, e olha que é muito tempo.

Irene Melloneves, a sua partida foi fulminante e a contragosto, sabemos todos. De nada adiantou o seu apego à vida, como se pudesses comandar o tempo dado. Ficaram tuas árvores e dias amanhecentes, ficou tua obra ainda por terminar publicações, ficamos nós no pouco entendimento dos traçados divinos, mas seguindo caminhos próprios.
Te beijo o coração que ficou plantado nos teus sítios viajados, tua imensa vontade de vida e quero no fundo de minha alma que estejas muito além de tudo isso que deixastes para trás, Irene fé, Irene alegria de raiz, Irene mãe.


A GRANDEZA DO ENXERGAR

Vida – a doação de ver,
a grandeza do enxergar.
Deus nos deu um coração
se exercendo pra o saber,
pedindo eterna a canção
do nosso reflorir;
em nova dimensão –
que tenha eterno o pão
na palavra e na visão,
nós cantando ave-marias
num rosário de alegrias,
os deleites conhecer;
a poesia no saber
a libertação na dor
de estarmos sós;
nos livre do temor
de ter luas apagadas,
nossas naves consumidas
quando a mestria dos anjos,
do feio pó, nos faz flor.
Vida – a doação de ver,
a grandeza do enxergar
todas as naves do céu –
mesmo cego o olho meu.
Poema de Irene Melloneves, todos os direitos reservados.


QUANDO EU ME FOR

Quando eu me for,
vocês morrerão de saudade,
ó árvores de minha casa
que reverencio e abraço.
Quando eu me for,
ó sementeira de meus gestos,
tenra grama de meus passos
e corolas dos meus risos,
circundando as jovens galhas;
os pássaros aconchegados
na acolhida das folhas,
que vocês farão por mim?
Que seria eu sem seus vínculos
de brisas e de seus cantos?
E a palavra ciciante
ao meu ouvido e nos ombros,
que traz os contatos seus?
Quando eu me for
poderão perguntar a Deus
por que o laceramento
da nossa afeição, no corte
de uma morte?
Porque então Deus não deixou –
mesmo cega ou sem andar,
ó árvores de minha casa,
eu, com vocês, aqui, ficar?
Poema de Irene Melloneves, todos os direitos reservados.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

OS BANQUETES








Para os banquetes da vida é imprescindível que se conheça a alquimia na elaboração das iguarias que nos são expostas. Uma investigação extenuante do nosso próprio ser, onde a inteligência se associa aos ingredientes que chamamos de pecados capitais, talhadas as nossas fraquezas com a lâmina afiada das construções e desconstruções.

E é tudo tão sutil e profundo e provocador, que passamos uma existência inteira de mapas nas mãos em busca das portas para o repositório dos tesouros do auto-conhecimento incorporado nas descobertas dos caminhos que nos trarão felicidade. E é preciso aprender a usar o orgulho, a vaidade, preconceitos, medos, competições, solidões imensas e outras tantas fragilidades que teremos que esgotar até que se alterem os sentidos e valores. Esvaziar e exaurir para recomeçar. A vida em seu paradoxal deslumbramento.
Vamos nos deixar humilhar, vamos ficar sozinhos e nos munir de paciência, vamos ser relegados aos lugares mais pequenos, mas também poderemos sondar e refletir. E aos poucos ficaremos libertos das grandes pequenas imposições e dos conformismos estabelecidos.
Num dado momento estaremos competentes para a requintada elaboração de caminhos próprios que nos parecerão insólitos, mas virão carregados de encantamento, pois há uma mesa posta esperando para o banquete ofertado de graça, para cada um.
Libertação.
                                                                                    Texto de InesNeves, todos os direitos reservados.





sábado, 7 de agosto de 2010

IRENE MELLONEVES

Minha querida mãe, se aproxima o dia 12 de seu nascimento, o que seriam seus 93 anos e vou postando nesse blog uma ínfima marca de tua presença entre nós. Um poema teu, entre tantas vivências na tua apaixonada forma de entender o amor.


COMO UM CAMAFEU

Acordei como que deslumbrada
por uma causa que não sei que é.
Como se emergindo das ondas túrgidas
de um oceano
eu atirasse a cobertura das coisas
e surgisse simples,
para penetrar o dia cantante
e o tronco úmido das árvores.
Hoje eu queria ser simples,
muito simples,
usar sandálias abertas e túnicas frescas.
Beber água no átrio de um templo,
refrigerar minha cabeça
na seiva mais profunda,
incrustá-la até o cerne
como um camafeu
talvez no peito teu.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SIMPLES ASSIM


As brumas e neblinas dessa paisagem hoje se esgueiraram e adentraram minha casa. Invadiram portões e pontes da minha íntima idade; nos recônditos nichos onde medram solidões e espantos, cobriram o húmus e plantas calmas de insuspeitadas sementes. Eu nada disse. Me limitei a olhar, postada em presságios, a garoa cobrindo tudo. Arcabouços de umbigos e aconchegos, silêncios de mortes ou surgimentos.
A natureza se move sutil e sempre. Eu também envelheço, primeiro de alma; as marcas em meu rosto são charadas que desentendo. Passa tudo tão depressa e falta pouco para nada. Vida; tantas vezes estrangulada, ensaiando pedir socorro, tudo por um fio. A existência caminha extenuada a compor fantasias de um porvir sem chão e mesmo assim, anseia.
exto de InesNeves. Todos os direitos reservados.