quinta-feira, 1 de julho de 2010

FILHOS DE ONTEM©

Filhos de Ontem


Galopando em corsários tontos te procuramos, filho meu, noites e dias sem sabermos se te sondávamos ou se te velávamos. Em insanas buscas e apelos atentamos indecifráveis ecos em vales alienados ou em cais esquerdos a te espreitar.
Apear, abandonando a fé? Nos aquietarmos, impossível. Acreditando sempre, ousando buscas até à mais tênue linha entre as coisas perceptíveis e os intangíveis mistérios de outras paragens. Mães da Praça de Maio e suas fraldas nas cabeças, Zuzus Zumbis de asas mutiladas se debatendo frente a portas lacradas, tantos pais de outras fatalidades buscando rastros de seus filhos perdidos, em marcha dolorosa e impotente.
Quem sabe um dia, entre silêncios e amargores, quando a tortura instalada nos cantos do existir já nem mais puder doer, sonhemos com um desfecho bom a nos acordar os sentidos. Talvez nossos corações sejam agraciados com o grande prêmio de um tempo acreditado e a explosão do reencontro acenda confortante lume em nossas vidas modificadas.
Mas talvez também o punhal já tão próximo de nossos peitos venha nos sangrar de vez as esperanças. Bem possível. Num dia das mesmas fadigas em que tudo parecerá tão comum, saberemos da implacável e definitiva perda e nós, pais das esperas, nos renderemos. Apearemos, entregaremos as armas e apelos para procedermos à incorporação do último ato da dor maior. Muita. E a saudade já entrincheirada em nossas existências, se agigantará extrapolando e atropelando todos os espaços desse planeta que mal nos cabe. Taquicardias descompensando cada gesto, a precariedade de nossas esperanças escancarada diante da verdade última, filho meu, descartados os arremedos de resgate de tua presença.
Corsários cegos de gastas ferraduras após tanta busca em galopes alucinados, extenuados. Nós, vencidos cavaleiros sem armas a incorporar as definitivas notas de desenlace e tu, filho, compondo as legiões de anjos seqüestrados, arrebatados, aliciados ou misteriosamente evadidos em pungente silêncio.
Cortados ao meio seguiremos sem pouso, almas sem repouso. E nunca mais o doce dos amores plenos, mas o sabor travoso de tua perda, esse sim, perdurará. Uma dor em nós que avançará pelos tempos de nossas existências em trilhas do nada entender.
Passarão as guerras e os amores mas o vazio não passará. Ficará esse banzo amalgamado nas cruzes das ausências, cicatrizes reticentes marcando indeléveis memórias em eterna vigília. E nossas almas meio penadas, meio sem pátria, vagarão na busca, filho meu, de um Deus que nos acolha e console. Uma mão benfazeja espalmada sobre nossas testas febris para arrefecer o ardor de nossas pupilas e transmutar essa água já salobra aprisionada e estagnada em nossos olhos.


Aos pais de filhos evadidos.
                                                     Texto de Inesneves - todos os direitos reservados.

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